Setembro Amarelo chega para reacender o diálogo sobre saúde mental, e essa conversa, mais do que nunca, precisa atravessar a porta de entrada das empresas — não apenas no cuidado com pessoas, mas também como uma exigência legal. Com a atualização da NR-1, as empresas passam a ser obrigadas a gerenciar ativamente os riscos psicossociais, incluindo o burnout, que se torna um tema mais sério e mandatário do que nunca.

Esgotamento mental, exaustão emocional, distanciamento cínico do trabalho… os sintomas são conhecidos, mas a abordagem ainda é, muitas vezes, equivocada. Por muito tempo, a responsabilidade caiu nos ombros do colaborador: “você precisa ser mais resiliente”, “aprenda a gerenciar seu estresse”. Mas a verdade é outra: o burnout não é uma falha individual, e sim um sintoma de que algo na cultura e na estrutura da empresa está doente.

Reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma síndrome ocupacional (CID-11: QD85), o problema está diretamente ligado ao ambiente e às dinâmicas de trabalho. Em outras palavras, é um problema de negócio. E o RH, mais do que nunca, tem um papel de protagonista para virar esse jogo.

Mas como sair do discurso e partir para a ação? É isso que vamos mostrar neste artigo. Continue lendo!.

Como as empresas têm lidado com burnout?

Antes de buscar soluções, precisamos encarar a realidade. Uma pesquisa recente da Redarbor Brasil, detentora do Pandapé, reforçou um cenário preocupante: 65% dos profissionais afirmam que suas empresas não oferecem ações ou políticas estruturadas para o cuidado com a saúde mental.

Mesmo quando existem, as iniciativas são recentes. Para 13% dos entrevistados, os benefícios de bem-estar psicológico só foram implementados nos últimos anos. A expectativa dos talentos, no entanto, é altíssima: 74% consideram fundamental que as empresas promovam essas ações.

Para Patricia Suzuki, CHRO da Redarbor Brasil, os dados confirmam o papel estratégico do RH. “Não adianta apenas disponibilizar palestras ou convênios médicos. O RH precisa mapear as pressões internas que adoecem os colaboradores, seja na sobrecarga de tarefas, na ausência de reconhecimento ou em líderes despreparados para lidar com pessoas.”

O custo da inação: os riscos de ignorar a saúde mental e o burnout

Tratar o burnout como um “problema menor” ou “responsabilidade do funcionário” não é apenas uma falha de empatia, é uma péssima estratégia de negócio. O esgotamento profissional gera impactos diretos e mensuráveis que afetam a última linha do balanço.

  • Aumento do turnover: profissionais esgotados pedem demissão. O custo de substituir um talento (recrutamento, treinamento, perda de produtividade) pode chegar a duas vezes o salário anual do cargo.
  • Absenteísmo e presenteísmo: o burnout leva a mais faltas (absenteísmo) e, talvez pior, ao presenteísmo, que é quando o colaborador está presente de corpo, mas mentalmente ausente, com a produtividade e a qualidade do trabalho em queda livre.
  • Queda na produtividade e inovação: equipes cansadas e desengajadas não criam, não inovam e não resolvem problemas complexos. O estresse crônico bloqueia a criatividade.
  • Deterioração do clima organizacional: o cinismo e a negatividade de um profissional em burnout podem contaminar a equipe, gerando um ambiente de trabalho tóxico e desmotivador.
  • Riscos legais: com a evolução da legislação (como veremos com a NR-1), a negligência com a saúde mental pode gerar processos trabalhistas e danos irreparáveis à marca empregadora.

Como resume Patricia Suzuki, a perspectiva precisa mudar: “Quando um colaborador adoece, o impacto é direto em absenteísmo, turnover e resultados financeiros. O RH precisa usar dados para convencer a alta gestão de que investir em saúde mental não é custo, é estratégia.”

O paradoxo dos benefícios: por que só oferecer não é suficiente?

Aqui entra um dos dados mais reveladores da pesquisa: entre os profissionais que têm acesso a benefícios de saúde mental, 82% nunca os utilizaram.

Por quê? Medo, talvez. Estigma. A crença de que serão vistos como fracos, menos competentes ou os próximos da lista de demissão.

“Existe um estigma associado ao cuidado psicológico no ambiente corporativo. Muitos profissionais temem ser vistos como menos produtivos ao acionar esses recursos. Cabe ao RH e à liderança quebrar esse ciclo, mostrando que cuidar da saúde mental não é sinal de fraqueza, mas de responsabilidade consigo mesmo e com a empresa.”, reforça Suzuki.

Isso significa que a solução não é apenas contratar uma plataforma de terapia online. É preciso construir uma cultura de segurança psicológica, onde pedir ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza. E essa construção começa na liderança.

O imperativo legal: a NR-1 e a gestão de riscos psicossociais

Se o argumento estratégico não foi suficiente, o argumento legal é incontestável. As recentes atualizações da Norma Regulamentadora 1 (NR-1) definiram novas regras para a saúde e segurança no trabalho (SST) no Brasil.

A norma agora exige que as empresas incluam os riscos psicossociais no seu Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Na prática, isso significa que estresse, ansiedade, burnout e assédio moral são oficialmente riscos ocupacionais que precisam ser gerenciados.

Mudança na NR-1O que muda na prática para o RH
Inclusão dos riscos psicossociaisO PGR agora deve, obrigatoriamente, mapear e criar planos de ação para riscos como estresse, pressão excessiva e burnout.
Nova definição de capacitaçãoTreinamentos de segurança devem ter conteúdo claro, carga horária definida, avaliação de aprendizado e registro formal.
Validação de treinamentos EADFormatos a distância e híbridos são permitidos, desde que sigam critérios pedagógicos e garantam a rastreabilidade do aprendizado.
Obrigatoriedade de simulaçõesTreinamentos práticos (ex: primeiros socorros) exigem simulações reais para garantir a capacitação efetiva.
Foco na participação dos trabalhadoresA norma reforça a importância da escuta ativa e da construção conjunta de um ambiente seguro, envolvendo os colaboradores no processo.

Ignorar a NR-1 não é uma opção. É deixar a empresa vulnerável a multas pesadas e, principalmente, falhar em sua obrigação fundamental de garantir um ambiente de trabalho seguro em todas as dimensões: física e emocional.

Plano de ação: como o RH pode atuar na raiz do burnout e se adequar à NR-1

Para combater o esgotamento profissional, o RH precisa de um plano robusto e multifacetado. Veja um passo a passo prático:

1. Mapeie os riscos psicossociais com escuta ativa

O primeiro passo estratégico é mergulhar nos dados e na percepção dos colaboradores para entender onde estão as verdadeiras fontes de pressão. Um diagnóstico preciso, baseado em escuta e análise, é o que vai direcionar todas as ações futuras.

  • O que fazer: aplique pesquisas de clima e saúde mental (sempre confidenciais). Realize rodas de conversa e entrevistas individuais. Analise indicadores como absenteísmo, turnover por área e dados de afastamentos.
  • Dica extra: crie um mapa de calor de riscos emocionais, identificando os departamentos ou cargos mais vulneráveis, e apresente esses dados de forma visual para a diretoria.

2. Capacite líderes para serem a primeira linha de defesa

Nenhuma política de bem-estar sobrevive a uma liderança despreparada. Os gestores são o principal ponto de contato dos colaboradores e os verdadeiros guardiões da cultura no dia a dia, por isso precisam atuar diretamente na prevenção do burnout e outros riscos psicossociais.

  • O que fazer: promova workshops para que gestores saibam identificar os primeiros sinais de esgotamento. Treine-os em comunicação não-violenta, feedback construtivo e liderança empática.
  • Dica inédita: inclua indicadores de bem-estar e turnover da equipe nas metas e na avaliação de desempenho da liderança. Isso alinha o discurso à prática.

3. Revise processos e cargas de trabalho

Muitas vezes, a raiz do problema não está na resiliência do time, mas em um sistema de trabalho que precisa ser redesenhado para se tornar sustentável. Processos ineficientes, metas inatingíveis ou uma carga de trabalho cronicamente excessiva são a receita certa para o esgotamento.

  • O que fazer: analise as jornadas de trabalho. As horas extras são a exceção ou a regra? As metas são desafiadoras ou inatingíveis? Existem ferramentas adequadas para a execução das tarefas?
  • Dica extra: crie comitês multidisciplinares para redesenhar fluxos de trabalho críticos, envolvendo colaboradores que estão na linha de frente para encontrar gargalos e fontes de estresse.

4. Construa uma cultura de reconhecimento e descanso

A prevenção do burnout passa por reequilibrar a balança entre esforço e recompensa, e isso acontece em duas frentes claras. A primeira é o reconhecimento: valorizar o trabalho bem-feito mostra que o esforço da equipe é visto e apreciado. A segunda é a desconexão: garantir que o colaborador tenha o direito de se desligar do trabalho, protegendo seu tempo de descanso.

  • O que fazer: implemente políticas claras de reconhecimento que vão além do bônus financeiro. Crie rituais de celebração. Incentive ativamente o direito à desconexão, com líderes dando o exemplo e evitando mensagens fora do horário de trabalho.
  • Dica extra: respeite a política de “férias sem interrupções” e não contate o colaborador que está de folga, exceto em emergências reais.

5. Organize e digitalize a documentação de SST

A conformidade com a NR-1 vai além de criar políticas; ela exige a comprovação e a gestão contínua das ações. Manter a documentação de Saúde e Segurança do Trabalho (SST) organizada e digitalizada não é apenas uma medida para evitar multas, mas uma ferramenta estratégica.

  • O que fazer: mantenha todos os registros de treinamentos, planos de ação do PGR e relatórios da CIPA centralizados e acessíveis.
  • Dica inédita: crie um checklist digital interativo com todos os vencimentos e pendências da NR-1 por departamento. Isso transforma a conformidade legal em um processo proativo e gerenciável.

Um olhar mais profundo: a interseccionalidade do esgotamento

A discussão sobre burnout se torna ainda mais potente quando olhamos para os recortes demográficos. A pesquisa da Redarbor Brasil revelou que a maioria dos respondentes preocupados com saúde mental são mulheres (57%) e com mais de 40 anos (53%).

“Estamos falando de profissionais que muitas vezes enfrentam dupla jornada, etarismo e falta de reconhecimento. O burnout nesses grupos não é apenas individual, mas fruto de um sistema que precisa ser revisto”, conta Patricia.

Isso mostra que as políticas de bem-estar precisam ser inclusivas e considerar as diferentes pressões que cada grupo enfrenta. Uma abordagem “tamanho único” simplesmente não funciona.

Conclusão…

O burnout não é mais um “tema de RH”. É um tema de estratégia, finanças e sustentabilidade do negócio. Ignorá-lo é como ignorar um vazamento que, aos poucos, inunda a casa inteira.

A boa notícia é que o RH nunca teve uma oportunidade tão clara de demonstrar seu valor estratégico. Ao sair de uma postura reativa e passar a atuar na raiz das pressões corporativas, a área de Gestão de Pessoas não apenas protege os colaboradores, mas fortalece a organização como um todo.

Como finaliza Patricia Suzuki, o caminho é claro: “O burnout só deixará de ser um problema crescente quando o RH e as lideranças atacarem a raiz das pressões corporativas, transformando políticas pontuais em cultura organizacional saudável.”

A transformação começa agora.

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