Com orçamentos cada vez mais enxutos, demissões em massa e inúmeras transformações no mercado de trabalho, o RH tem buscado formas criativas de manter a produtividade sem recorrer às tradicionais contratações externas – que exigem tempo e recursos valiosos. É nesse cenário que o quiet hiring, ou contratação silenciosa, surge como uma alternativa estratégica.
Mas o que, exatamente, significa essa tendência? Como ela ajuda a reter talentos? Qual é o papel do RH e como aplicar com responsabilidade e bons resultados?
Neste artigo, a gente explica tudo que você precisa saber para colocar o quiet hiring em prática: com exemplos reais, dicas práticas e um checklist de implementação. Continue lendo!
O que é quiet hiring?
O quiet hiring é uma estratégia de realocação interna de talentos, onde empresas preenchem lacunas de habilidades ou funções críticas sem abrir novas vagas ou contratar pessoas de fora. Em vez disso, apostam no desenvolvimento, promoção ou redistribuição de profissionais que já atuam na organização.
Essa prática ganhou força após o boom do “quiet quitting” e da “grande renúncia”, como uma forma de reter talentos, aumentar a produtividade e manter o time engajado com a empresa.
Exemplos práticos de quiet hiring:
- Um analista de mídias sociais assume um projeto de comunicação interna;
- Uma técnica de TI é treinada para gerenciar squads de produto;
- Um coordenador de RH passa a liderar a área de DHO durante um período de transição.
Quiet hiring é o mesmo que promoção?
Nem sempre. O quiet hiring pode incluir promoções formais, mas também abrange:
- Mudanças temporárias de função;
- Projetos especiais com aumento de responsabilidades;
- Participação em squads ou comitês interdisciplinares;
- Movimentações laterais com foco em desenvolvimento.
A ideia central é maximizar o potencial interno sem necessariamente gerar um novo custo imediato.
Por que o quiet hiring virou tendência no RH?
Após ondas de demissões em massa e fenômenos como o quiet quitting – quando colaboradores permanecem no cargo, mas apenas entregam o mínimo – e o revenge quitting, uma demissão voluntária motivada por frustrações acumuladas, muitas empresas passaram a enfrentar altos índices de desligamentos e queda no engajamento.
Segundo a análise da LCA 4intelligence, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, só em janeiro de 2025, 37,9% dos 2,13 milhões de desligamentos no Brasil foram por pedido voluntário – o maior percentual já registrado para o mês.
Diante disso, preencher as lacunas deixadas pelos desligamentos ou até mesmo evitar novos turnovers voluntários e responder às demandas atuais do mercado se tornou um desafio urgente. E é nesse cenário que o quiet hiring se destaca como uma resposta prática e estratégica.
Em vez de iniciar novos processos seletivos, que envolvem custos, tempo e responsabilidades, muitas empresas estão olhando para dentro e realocando talentos internos em novas funções, seja por meio de promoções ou movimentos laterais. E é exatamente isso que o quiet hiring propõe: reorganizar estrategicamente o capital humano que a empresa já possui.
Mais do que economizar com contratações e onboarding, o quiet hiring oferece ganhos importantes tanto para as empresas quanto para os colaboradores, como veremos adiante.
Como o quiet hiring funciona na prática?
Imagine que uma equipe de marketing perdeu um coordenador, mas o orçamento está congelado. Em vez de abrir um processo seletivo externo, o RH identifica uma analista sênior com excelente desempenho e potencial de liderança. Ela assume a posição temporariamente – com apoio, feedback constante e oportunidades de capacitação.
Ou pense em uma empresa que está lançando um novo produto e precisa montar uma equipe multifuncional. Em vez de contratar pessoas novas, ela reorganiza os times e convida colaboradores de diferentes áreas para participarem do projeto. Isso também é quiet hiring.
Essas movimentações podem ser:
- Horizontais, quando a pessoa muda de área ou função, mas mantém o mesmo nível hierárquico;
- Verticais, quando há aumento de responsabilidade e escopo;
- Temporárias, em projetos específicos ou coberturas de férias;
- Definitivas, quando se percebe um bom encaixe entre perfil e função.
Benefícios do quiet hiring para a empresa e o RH
Os ganhos são muitos, e vão além da economia.
Benefício | O que representa na prática? |
Menos custos | Evita gastos com recrutamento, seleção e integração de novos colaboradores |
Agilidade | Pessoas que já conhecem o negócio se adaptam mais rápido a novos desafios |
Retenção de talentos | Profissionais enxergam oportunidades reais de crescimento |
Cultura fortalecida | Promove valorização interna e senso de pertencimento |
Desenvolvimento contínuo | Estimula aprendizado e evolução constantes dentro da empresa |
💡Dado importante: um estudo do Linkedin reforça o impacto positivo dessa estratégia na motivação e retenção: colaboradores que mudam para novos cargos internamente têm 3,5 vezes mais chances de se manter engajados.
E para os colaboradores, quais são as vantagens?
Quando bem conduzido, o quiet hiring pode abrir portas importantes para quem está dentro da organização. Veja só o que essa prática pode proporcionar aos profissionais:
- Visibilidade interna: assumir novos desafios coloca o colaborador no radar da liderança;
- Desenvolvimento profissional: o contato com outras áreas, projetos e responsabilidades enriquece a bagagem;
- Reconhecimento: mesmo que a movimentação comece de forma temporária, ela pode se transformar em promoção, aumento salarial ou bônus;
- Negociação de benefícios: mais responsabilidades muitas vezes permitem renegociar horários, bônus ou dias de folga;
- Maior senso de propósito: sentir que a empresa aposta no seu crescimento fortalece a motivação.
Claro que, para tudo isso funcionar, é essencial que a empresa ofereça treinamento, apoio emocional e feedbacks constantes. Sem isso, o quiet hiring pode virar sobrecarga disfarçada. Vamos falar mais sobre isso a seguir.
RH: cuidados essenciais para implementar o quiet hiring com responsabilidade
Quando mal planejado, o quiet hiring pode gerar sobrecarga, desmotivação e até conflitos internos. Por isso, o papel do RH é fundamental para garantir que essa prática aconteça de forma ética, equilibrada e transparente.
Veja abaixo os principais pontos que merecem atenção, com explicações e exemplos práticos:
1. Seja transparente desde o início
O colaborador precisa entender claramente o que está sendo proposto. Explique os motivos da mudança, o escopo da nova função e as expectativas.
Exemplo: “Queremos te convidar para liderar o projeto X pelos próximos 3 meses. Você terá apoio do time e da liderança, e ao final desse período avaliaremos juntos o que faz mais sentido: retorno ao seu cargo atual ou efetivação na nova função.”
⚠️ Importante: evite expressões como ‘só por enquanto’ ou ‘quebra esse galho’, que podem transmitir a ideia de improviso ou de que a pessoa está assumindo o papel por falta de opção, e não por confiança em sua capacidade.
2. Cuidado com a sobrecarga
É essencial reavaliar a carga de trabalho da pessoa que está sendo realocada e não exigir demais de profissionais já sobrecarregados ou esgotados. Empresas que negligenciam isso correm o risco de minar a motivação, aumentar o turnover e comprometer a saúde mental da equipe.
A recomendação é encontrar um equilíbrio entre as habilidades dos funcionários sem deixar de proteger seu bem-estar.
💡 Dica prática: redistribua parte das atividades anteriores para outros membros do time e acompanhe de perto o equilíbrio de entregas.
3. Garanta critérios justos e acessíveis
Todos os colaboradores devem saber que há oportunidades e o que é necessário para serem considerados. O processo precisa ser claro, justo e acessível.
💡 Como aplicar? Estabeleça critérios de desempenho, abertura de candidaturas internas ou sistema de indicação. Compartilhe esses critérios com todos os times.
4. Esteja atento à legislação
No Brasil, a mudança significativa nas funções de um colaborador sem o consentimento expresso e sem a devida compensação pode caracterizar desvio ou acúmulo de função, o que pode gerar passivos trabalhistas e ações judiciais.
Portanto, para colher os benefícios da contratação silenciosa, é preciso garantir que:
- A reestruturação de funções seja feita com diálogo, transparência e formalização contratual quando necessário;
- Os profissionais recebam treinamento, suporte e tempo adequado para as novas atribuições;
- O reconhecimento, inclusive financeiro, esteja alinhado à nova responsabilidade;
- Toda movimentação interna respeite os limites da legislação trabalhista, incluindo os princípios de isonomia, função contratada e jornada de trabalho.
5. Estabeleça prazos e expectativas
Defina com clareza se a movimentação será temporária ou definitiva. Isso evita frustrações e garante segurança para ambas as partes.
Exemplo: “Durante os próximos 90 dias você estará à frente da função Y. Ao final desse período, teremos uma conversa para decidir os próximos passos”.
6. Ofereça suporte e desenvolvimento
Não adianta mover alguém para outra função sem garantir que ele seja capaz de desempenhar bem seu novo papel, certo?
Então, para que a realocação funcione bem, um dos grandes focos do quiet hiring deve ser a qualificação das pessoas. Nesse processo, a empresa pode oferecer programas de reskilling e upskilling e preparar os colaboradores para novos desafios.
O reskilling é o processo de capacitação que prepara o colaborador para assumir novas funções na empresa, por meio do desenvolvimento de habilidades totalmente diferentes das exigidas no seu cargo atual.
Já o upskilling consiste em melhorar e atualizar competências existentes, a fim de manter-se atualizado com as tendências e tecnologias emergentes do setor para dominar novos processos.
Assim, o quiet hiring não é apenas uma troca de cadeiras: ele representa uma estratégia integrada de desenvolvimento, valorização e reaproveitamento inteligente de talentos, com foco em agilidade, sustentabilidade e crescimento conjunto.
7. Crie momentos de escuta e feedback
O colaborador precisa se sentir ouvido ao longo de toda a experiência de quiet hiring, especialmente porque essa movimentação exige que ele saia da zona de conforto e assuma desafios em áreas desconhecidas.
Em alguns casos, o profissional pode perceber que a nova função ou área não combina com seus interesses, perfil ou expectativas. E tudo bem: é justamente por isso que o RH precisa garantir espaços contínuos de escuta e diálogo aberto, onde o colaborador possa expressar suas percepções, inseguranças e sugestões com segurança.
Esses momentos ajudam não somente a prevenir insatisfações ou sobrecargas, mas também a ajustar o plano de desenvolvimento individual, fazer correções de rota quando necessário e fortalecer a confiança entre liderança e equipe.
Ferramentas úteis:
- Sessões de one-on-one com líderes diretos;
- Pulse surveys para monitorar a adaptação de quem mudou de função;
- Check-ins periódicos com o RH;
- Espaços informais para trocas e desabafos;
- Canais abertos (formulários, e-mails, chats internos) para feedbacks espontâneos.
Quiet hiring é um processo contínuo que precisa de acompanhamento próximo, empatia e disposição para ajustes!
Casos reais de quiet hiring no Brasil
Várias empresas brasileiras estão apostando na contratação silenciosa para valorizar talentos internos:
- Renner criou o “Talent Hub”, uma plataforma que cruza desejos de carreira dos colaboradores com vagas internas;
- Pepsico oferece um programa de aprendizagem e desenvolvimento de funcionários com uso de IA para sugerir projetos alinhados ao perfil dos funcionários;
- McDonald’s Brasil aposta no plano de carreira desde sempre: mais de 80% dos gerentes começaram como atendentes;
- Flash implementou o programa “Próximo Destino”, permitindo movimentações laterais e promoções com agilidade.
Esses exemplos mostram que é possível aplicar quiet hiring com estrutura, tecnologia e foco nas pessoas.
✅ Checklist prático para o RH aplicar quiet hiring com segurança
Se a sua empresa já:
- Informou claramente ao colaborador os motivos e objetivos da movimentação;
- Verificou a possibilidade de sobrecarga e está preparada para redistribuir tarefas, se necessário;
- Estabeleceu critérios justos e transparentes para definir quem pode participar;
- Consultou o jurídico ou avaliou as implicações legais da mudança;
- Comunicou a duração da movimentação e alinhou expectativas sobre o futuro;
- Ofereceu suporte e ferramentas para que o colaborador enfrente o novo desafio com segurança;
- Abriu um canal de escuta ativa e está acompanhando com feedbacks frequentes.
Então, sua empresa está no caminho certo para aplicar o quiet hiring de forma estratégica, segura e humanizada — promovendo a valorização dos talentos internos e contribuindo para resultados sustentáveis no negócio.
Conclusão: quiet hiring é confiança e visão de futuro
O quiet hiring representa uma mudança de mentalidade na gestão de pessoas. É sobre olhar para dentro, investir em quem já está ao seu lado e criar uma cultura de valorização e crescimento.
Para o RH, isso representa um chamado à inovação e à empatia. E para o colaborador, uma chance real de protagonizar sua jornada profissional.
Se a sua empresa quer ser mais ágil, humana e preparada para o futuro, talvez o próximo passo esteja sentado bem aí, do seu lado.